A extração de barita e o crime organizado no México: o caso da mineração em Chicomuselo

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Em 2006, a companhia Blackfire adquiriu a concessão para a exploração de barita, um mineral muito utilizado em poços de petróleo e tintas automotivas. Com isso, violou-se a normativa vigente e o direito à consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas da região. Após o assassinato de um dos líderes do combate à mineração, o governo do Estado a fechou, mas deixou a porta aberta para a companhia reiniciar suas atividades. Entretanto, nos últimos anos, a chegada do crime organizado busca reativar a extração de barita através de intimidações e ameaças aos moradores, funcionários e organizações sociais.

Em 2006, a companhia Blackfire adquiriu a concessão para a exploração de barita, um mineral muito utilizado em poços de petróleo e tintas automotivas. Com isso, violou-se a normativa vigente e o direito à consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas da região. Após o assassinato de um dos líderes do combate à mineração, o governo do Estado a fechou, mas deixou a porta aberta para a companhia reiniciar suas atividades. Entretanto, nos últimos anos, a chegada do crime organizado busca reativar a extração de barita através de intimidações e ameaças aos moradores, funcionários e organizações sociais.

O município de Chicomuselo se encontra a sudeste do estado de Chiapas e forma parte da depressão de Sierra Madre, que se estende até a Guatemala. Nesta região abriga uma das três maiores reservas de barita do mundo: um mineral muito utilizado na perfuração de poços de petróleo, pinturas automotivas e salas de raios X. Em 1999, a mineradora nacional El Caracol solicitou a concessão para sua exploração.

A população de Chicomuselo tem uma ascendência indígena diversa: Tsotsil, Cho’ol e Mam. Ainda que a maioria não fale suas línguas nativas, quase todos se identificam como parte de algum destes povos, mantêm seus costumes e praticam formas de convivência tradicionais. Esta região faz parte da diocese católica de San Cristóbal de Las Casas, que conta com um profundo trabalho de evangelização, participação comunitária, capacitação e orientação de uma igreja comprometida com os pobres.

Paralelamente, as organizações camponesas ligadas ao Partido Revolucionário Institucional (PRI) e ao Partido da Revolução Democrática (PRD) lutam pelo controle político dos seus residentes. Nos últimos anos, o crime organizado tem começado a cooptar as suas organizações sociais por meio de promessas de riqueza. A ambição e a corrupção dos habitantes não fizeram mais que piorar a situação.

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Em 2017, os habitantes de Chicomuselo formaram conselhos de vigilância para deter a mineração. Foto: Chiapas Paralelo

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Em 2017, os habitantes de Chicomuselo formaram conselhos de vigilância para deter a mineração. Foto: Chiapas Paralelo

Exploração, contaminação e mobilização

Em 2006, a concessão da exploração de barita de Chicomuselo foi adquirida pela empresa mineradora canadense Blackfire. Não teve que fazer nenhum trâmite diante do Estado. Simplesmente comprou da mineradora El Caracol. Com o apoio dos governos estaduais e municipais, e sob o entusiasmo do investimento estrangeiro direto, Blackfire realizou o contrato de arrendamento das terras de superfície pertencentes ao ejido grego. Isso facilitou que as operações de extração fossem realizadas rapidamente.

Deste modo, a Blackfire não se importou em violar a regulamentação em vigor: não tinha a permissão de alterar o uso do solo, não houve referendo nem consulta aos cidadãos, não respeitou o Manifesto de Impacto Ambiental nem cumpriu com o Direito à Consulta e Consentimento Prévio e Informado. Após o desinteresse inicial, a sociedade civil começou a se mobilizar ao observar o dano ambiental causados pelo transporte de barita por meio das cabeceiras de Chicomuselo: organizada na associação Dos Valles Valientes, decidiu-se entrar em contato com a Rede Mexicana de Afetados pela Mineração, uma instituição que capacita os cidadãos da região.

Em menos de seis meses, os ativistas da Dos Valles Valientes organizaram uma manifestação permanente nos escritórios da companhia e nas ruas por onde passam os caminhões que transportam a barita.

A alta hierarquia da Igreja ecoou a afirmação e solicitou ao governador a fechar a mina, dadas as irregularidades e os efeitos socioambientais.

Com muitos anos de formação em direitos humanos, a paróquia de Chicomuselo informou as comunidades o impacto ambiental que a extração de barita geraria. Através de marchas e orações, iniciou uma longa “peregrinação” para que se cumpram os direitos individuais e coletivos, e também solicitou a intervenção das três dioceses de Chiapas. A alta hierarquia da Igreja eco à reivindicação e solicitou ao governador a fechar a mina, dadas as irregularidades de sua abertura e os efeitos socioambientais na região.

O governo de Chiapas ignorou o pedido da Igreja e, pelo contrário, serviu de mediador entre os moradores do ejido grego e a multinacional Blackfire. Seu único objetivo era que os ejidatários permitissem a extração da barita. Apesar dos acordos alcançados, a companhia não cumpriu o combinado. Consequentemente, em menos de seis meses, os ativistas de Dos Valles Valientes organizaram uma manifestação permanente nos escritórios da companhia e nas ruas por onde passam os caminhões que transportam a barita. A resistência havia começado.

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A Diocese de San Cristóbal tem desempenhado um papel muito importante de apoiar os camponeses que resistem à extração de barita. Foto: Chiapas Paralelo

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A Diocese de San Cristóbal tem desempenhado um papel muito importante de apoiar os camponeses que resistem à extração de barita. Foto: Chiapas Paralelo

Entre os vícios do processo e a ausência de consulta prévia

Durante pouco mais de um ano, a empresa Blackfire operou violando as normas, diante da omissão dos funcionários dos três níveis do governo. Esta situação não se prolongou por mais tempo após o assassinato, em 2009, de Don Mariano Abarca, um dos opositores à exploração mineira com mais visibilidade e a consequente indignação internacional que o crime gerou. Foi então que o governo do Estado decidiu fechar a mina por motivos jurídicos “triviais”, como o fato de a estrada para o trânsito de máquinas ultrapassar as dimensões legais e afetar a flora em seu trajeto. O governo do estado deixou aberta a possibilidade da empresa reiniciar sua atividade extrativista.

Diante do fechamento temporário da extração de barita pelo governo de Chiapas, a Blackfire demandou internacionalmente ao governo mexicano pelo suposto incumprimento do Acordo de Livre Comércio da América do Norte e da Lei Nacional de Mineração. Desafiando a medida do governo de Chiapas, em 2013, a companhia começou a financiar as autoridades do ejido de Santa María para que elas próprias pudessem extrair o mineral. Embora a Agência Federal de Proteção Ambiental tenha confirmado a falta de licença ambiental, nenhuma ação jurídica foi iniciada contra a empresa. Como se isso fosse pouco, o avô daquele que foi governador do estado de Chiapas durante 2012 e 2018, Manuel Velasco Coello, convidava e encorajava os ejidos e comunidades que explorassem a barita por conta própria.

Um processo de consulta sério, que busque estabelecer uma verdadeira relação intercultural, dialógica e edificante, deveria incluir os três atos de autoridade: concessão, permissão e opinião.

Um processo de consulta sério deveria incluir os três atos de autoridade: concessão, permissão e opinião.

Como foi observado, uma das principais irregularidades da mineração de barita é que não havia um processo de consulta, nem mesmo nos termos propostos na consulta cidadã do Código Eleitoral e de Participação do Estado de Chiapas. Entretanto, o cenário é mais complexo porque um processo limitado aos procedimentos de democracia eleitoral não abrange nem considera as características históricas e étnico-culturais da população. Muito menos leva em consideração a concorrência de competência dos três níveis do governo: federal, estadual e municipal.

As competências se sobrepõem. Por um lado, a concessão da exploração mineral corresponde à Secretaria de Economia do Governo Nacional e, por outro lado, as licenças pelas alterações de uso do solo são de responsabilidade da Câmara Municipal (que, por sua vez, só são concedidas com opinião técnica favorável da Secretária de Meio Ambiente e Recursos Naturais). Um processo de consulta sério, que busque estabelecer uma verdadeira relação intercultural, dialógica e edificante, deveria incluir os três atos de autoridade: concessão, permissão e opinião. Separado ou incluído em um pacote de consulta às comunidades indígenas, aderindo aos requisitos da Convenção 169 da OIT.

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Banner com a imagem do ativista assassinado Mariano Abarca Robledo durante protesto em frente à embaixada do Canadá no México em 2009. Foto: Eduardo Verdugo

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Banner com a imagem do ativista assassinado Mariano Abarca Robledo durante protesto em frente à embaixada do Canadá no México em 2009. Foto: Eduardo Verdugo

A chegada do crime organizado

Atualmente, esse cenário mudou com a presença de cartéis de crime organizado que cooptam moradores, organizações sociais e funcionários municipais sob ameaça de morte. Com isso, garantem o controle territorial e a extração mineral por meio da intimidação e ameaça. A consequência foi muito triste: no final de 2022, o bispo da Diocese de San Cristóbal declarou-se a favor da mineração. Este apoio é contrário ao legado e herança da Igreja dos pobres que Monseñor Samuel Ruiz García, que foi bispo da Diocese de San Cristóbal, construiu e deixou.

Neste contexto, no início de 2023, representantes do ejido Nueva Morelia foram “visitados” por um grupo de homens armados que se apresentaram como independentes de qualquer empresa mineradora e argumentaram que seu trabalho era retirar a barita que Blackfire havia deixado em um prédio dentro de Nueva Morelia. O mineral foi roubado com a cumplicidade da Procuradoria Geral da República, a Agência Federal de Proteção ao Meio Ambiente e Recursos Naturais. Seu destino final nunca foi conhecido.

Os habitantes continuam a se opor à extração de barita com o temor de que esta decisão provoque os mineradores outsourcing (terceirizados) e que tirem suas vidas em troca.

Os habitantes continuam a se opor à extração de barita com o temor de que os mineradores outsourcing tirem suas vidas em troca.

Atualmente, os grupos armados pressionam os moradores para que aceitem a reativação da mineradora. Embora haja a suspensão da Procuradoria-Geral da República de Proteção Ambiental, os habitantes seguem se opondo à extração de barita com o temor de que esta decisão provoque os mineradores outsourcing (terceirizados) e que tirem suas vidas em troca. A resistência só é possível porque os moradores conhecem muito bem os estragos que a mineradora causa ao território em que habitam.

Em Chiapas, como em muitos lugares da República do México, existe um período pré-eleitoral para eleger a pessoa que ocupará a chefia do Executivo Federal. Tudo indica que, para além do partido político vencedor, continuará o descumprimento da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Lamentavelmente, o modelo económico extrativista que afeta os territórios através dos megaprojetos se manterá, assim como continuará a inseguridade contra as pessoas defensoras de direitos humanos e ambientais. Tudo seguirá igual ou, e todo caso, piorará.

Elisa Cruz Rueda

Elisa Cruz Rueda é professora pesquisadora em tempo integral por oposição. Escola de Administração e Autodesenvolvimento Indígena da Universidade Autônoma de Chiapas. Consultora IWGIA.