Desde agosto de 2022, Patricia Tobón Yagarí é a Diretora da Unidade de Vítimas, entidade que busca atendimento integral e reparação às vítimas do conflito armado interno colombiano. A liderança do povo Embera Chambí é advogada pela Universidade de Antioquia, especialista em direito constitucional e assessora de diferentes organizações indígenas e afrodescendentes. Em sua trajetória, destaca-se o fato de ter sido a integrante mais jovem da Comissão da Verdade, surgida a partir do Acordo de Paz entre o Estado colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).
Debates Indígenas: Qual tem sido a posição do governo de Gustavo Petro com o movimento indígena da Colômbia?
Patricia Tobón Yagarí: É a primeira vez que os indígenas fazem parte de um governo. O presidente nomeou o líder arhuaco Leonor Zalabata como embaixador nas Nações Unidas. O Giovani Yule, indígena nasa de Cauca, Diretor da Unidade de Restituição de Terras. E a mim, que venho das profundezas do movimento indígena e do Processo de Paz, fui nomeada Diretora da Unidade de Vítimas. Nós indígenas cumprimos um papel importante na Comissão da Verdade e agora neste governo. Nossa participação é um claro sinal do governo para todo país.
DI: Em que condições encontrou a Unidade de Vítimas?
PTY: Primeiramente, encontramos um enorme acúmulo de dívidas que temos com nossas vítimas, produto da falta de vontade política. Existem 9.300.00 vítimas registradas do conflito armado, das quais 91% são vítimas de deslocamento forçado. A maioria, cerca de 6.000.000 pessoas, também se encontra em situação de pobreza. E realmente, os esforços até o momento não tem sido suficientes. A gestão anterior indenizou somente 13% das vítimas. A Unidade de Vítimas tem um descumprimento muito grande de todas as metas e este governo deve reduzir significativamente o atraso, trabalhando junto com as instituições e com as vítimas. Agora estamos discutindo como vamos ampliar e acelerar as reparações, mas também é uma questão de recursos.
Patricia Tobón Yagarí explica que 91% das vítimas registradas do conflito armado colombiano são por deslocamento forçado. Foto: Unidade de Vítimas
Patricia Tobón Yagarí explica que 91% das vítimas registradas do conflito armado colombiano são por deslocamento forçado. Foto: Unidade de Vítimas
DI: Quais são as principais deficiências da Unidade de Vítimas?
PTY: A Unidade tem sido observada de perto pelo manejo dos recursos, o clientelismo e a negação de direitos. Por isso, o primeira coisa que fizemos foi iniciar um processo de transparência, apresentando as irregularidades à Fiscalização. Como nossa entidade tem uma carga operacional muito pesada, reduzimos a estrutura em Bogotá para ampliar nosso trabalho nos territórios. Assim, pela primeira vez, incorporamos funcionários indígenas e afrodescendentes.
DI: Como está a situação dos recursos econômicos?
PTY: A política de vítimas sempre foi subfinanciada. Então estamos trabalhando para reverter essa situação, pois é absolutamente necessário que se tenham os recursos para reparar as vítimas. Em geral, as indenizações não são soluções duradouras para tirá-los da pobreza. Por isso, queremos que tenham acesso ao sistema educacional, moradia e renda econômica. Para isso contamos com o apoio absoluto do Presidente Petro.
DI: Vai haver uma mudança no marco legal?
PTY: Propomos a reforma da Lei N° 1448 sobre Vítimas e Restituição de Terras, a fim de garantir a participação e melhorar o atendimento às vítimas do conflito armado. Um segundo objetivo é ampliar o acesso aos seus direitos e articular a política de vítimas com o Sistema Integral pela Paz. Queremos fazer em quatro anos o que não foi feito em dez.
A líder da Unidade de Vítimas se mostra preocupada com a transparência e falta de recursos da organização. Foto: Unidade de Vítimas
A líder da Unidade de Vítimas se mostra preocupada com a transparência e falta de recursos da organização. Foto: Unidade de Vítimas
DI: Como é a situação das vítimas indígenas?
PTY: A grande defasagem é principalmente com as comunidades étnicas. São 970 as comunidades que pedem para voltar às suas terras, das quais 245 são grupos étnicos. Um dos casos mais graves é do povo Embera, que se encontra em situação de mendicância; muitos deles em cidades como Bogotá. Ou o povo Nukak na região de Guaviare, que sofre de indigência e muitas meninas são obrigadas à prostituição. Essas comunidades não estão sendo atendidas pelos programas de retorno aos seus territórios de forma duradoura e sustentável. Temos que dialogar com as comunidades e saber o motivo de não poderem retornar. Estas reparações coletivas devem ser priorizadas pelo Plano Nacional de Desenvolvimento. Mas também é preciso atender aqueles que não retornam aos seus territórios e necessitam reconstruir seus projetos de vida.
DI: Como você vai envolver as vítimas neste processo?
PTY: Para nós é fundamental o diálogo com todas as vítimas: indígenas, afrodescendentes, camponeses e ciganos. Planejamos 38 mesas de diálogo direto com as vítimas para dignificar sua voz. Que tenham um papel digno e sejam reconhecidas, porque esta sociedade se acostumou a vê-los como mendigos. Com a participação das comunidades, queremos demonstrar que, quando o povo está envolvido, qualquer governo cumpre suas metas. Queremos fortalecer a participação de todas as vítimas na transformação institucional e no aperfeiçoamento de suas políticas. Vamos promover um programa para dignificar suas vozes pela paz.
DI: Como se articula a política de paz do governo com a atenção às vítimas?
PTY: Ainda há muito trabalho a ser feito. A política de vítimas que temos é anterior ao Acordo de Paz de 2016. Mas eles estão interligados. Devemos garantir que as vítimas tenham prioridade no universo de pessoas vulneráveis neste país. O ponto 5 do Acordo de Paz trata sobre os direitos das vítimas: a implementação do Sistema Integral de Verdade, Justiça, Reparação e Não Repetição. Também temos de nos articular com o da Justiça e Paz, que saiu do processo com os paramilitares para oo atual debate no quadro da Paz Total que este Governo segue.
Patricia Tobón Yagarí aponta que das 970 comunidades que pedem para retornar para suas terras, 245 são grupos étnicos. Foto: Unidade de Vítimas
Patricia Tobón Yagarí aponta que das 970 comunidades que pedem para retornar para suas terras, 245 são grupos étnicos. Foto: Unidade de Vítimas
DI: Qual é sua análise dos diálogos de paz com os diferentes grupos armados?
PTY: Houveram avanços nas negociações com o Exército de Libertação Nacional (ELN), mas a população civil continua sofrendo. Seguimos recebendo denúncias de homicídios, ameaças, recrutamento de menores, deslocamentos forçados e instalação de minas. Queremos que as vítimas sejam ouvidas pelo ELN e o Estado colombiano. É importante analisar suas propostas sobre verdade, reparação e não repetição. Não é um processo fácil, pois são relatos dolorosos. Mas este governo está disposto a avançar nas negociações de paz em todas as frentes. Não vai ser fácil, mas temos esperança. A não repetição de conflito é um clamor de todo mundo. A paz interessa a todos, mas especialmente às vítimas mais afetadas.
DI: Que esperança você tem de uma verdadeira reconciliação na Colômbia?
PTY: O recente resgate de crianças na selva do Guaviare foi um feito muito significativo. Pensemos que o Exército e as lideranças indígenas, setores que estiveram em conflito, fizeram um trabalho em conjunto para poder resgatar as crianças. Foi emocionante acompanhar o trabalho conjunto em um país tão dividido. O país inteiro acompanhava o resgate na imensa Amazônia colombiana. Foi uma operação com 115 homens das forças especiais do Exército e 93 autoridades indígenas. Este acontecimento gerou uma mensagem poderosa para um país muito fragmentado. Sobre a sabedoria e a coragem indígenas. E sobre os indígenas como fonte de reconciliação.