Rosy Castro Salinas é uma mulher afromexicana originária da comunidade Charco Redondo no Município de Tutupepec, estado de Oaxaca. É estudante no Doutorado em Direito pela Benemérita Universidad de Oaxaca y Conselheira da Comissão Nacional contra a Discriminação do México (CONAPRED). Ademais, é integrante da Aliança de Mulheres Indígenas e Afrodescendentes e fundadora e coordenadora do Fórum de Líderes Indígenas, Afromexicanas, Mestiças, Pescadoras e Mulheres Rurais nas Bahías de Huatulco.
Rosy Castro Salinas é uma mulher afromexicana originária da comunidade Charco Redondo no Município de Tutupepec, estado de Oaxaca. É estudante no Doutorado em Direito pela Benemérita Universidad de Oaxaca y Conselheira da Comissão Nacional contra a Discriminação do México (CONAPRED). Ademais, é integrante da Aliança de Mulheres Indígenas e Afrodescendentes e fundadora e coordenadora do Fórum de Líderes Indígenas, Afromexicanas, Mestiças, Pescadoras e Mulheres Rurais nas Bahías de Huatulco.
José Miguel González: Como você explica a negação histórica dos povos afromexicanos?
Rosy Castro Salinas: Em geral, os afromexicanos sempre foram minorizados, menosprezados e reduzidos ao último nível da escala social. Dessa forma, eles sempre foram apagados da história. No século XIX, quando a escravidão foi abolida após a Independência, era suposto que ela mudasse a realidade dos negros. Contudo, não houve muitos avanços para a população de origem africana. Surgiu então a teoria da mestiçagem, que apaga completamente os afromexicanos da história, por isso percebemos que estas estruturas de invisibilização e minorização sempre estiveram presentes. Finalmente, criou-se a teoria de que não havia negros no México até 1946, quando o antropólogo Gonzalo Aguirre Beltrán escreveu: “Sim, sim, existem negros. Eles estão em Oaxaca, estão em Guerrero, estão em Veracruz, estão nesses lugares.” E assim começaram a ser valorizadas as contribuições que essas populações deram desde a colônia até o momento atual.
JMG: Quando surge o movimento negro no México?
RCS: Sem dúvida, o movimento zapatista teve um grande impacto, desencadeando lutas sociais e gerando um impacto que ativa o movimento negro entre 1996 e 1997 no México. Neste contexto, também redescobrimos as estruturas das nossas comunidades, costumes e tradições onde as mulheres não tinham voz. Nossas vozes não estavam presentes porque era um movimento de homens. Assim, começamos a gerar um movimento em Oaxaca, um estado rico em movimentos sociais, lutas e resistências muito fortes. Portanto, não é por acaso que fazemos parte desse movimento.
JMG: Quais são as características de Oaxaca que a converte em um berço dos movimentos sociais?
RCS: O estado de Oaxaca reúne uma área rica em recursos naturais. Contudo, as nossas comunidades continuam a ser as mais pobres entre os pobres do país. Este era o tema que os nossos colegas sempre falavam e, de repente, éramos nós e entramos no barco porque era uma necessidade urgente, necessária e premente. Assim começou uma articulação de mulheres com a nossa própria perspectiva e a nossa própria abordagem. Retomamos essa luta dos homens e a fortalecemos.
A liderança destaca que foi criada uma teoria de que não havia negros no México, que persistiu até meados dos anos 40.
A liderança destaca que foi criada uma teoria de que não havia negros no México, que persistiu até meados dos anos 40.
JMG: Como iniciou a organização de mulheres afromexicanas?
RCS: Desde que chegaram, as mulheres africanas encontraram um primeiro grande obstáculo: a sua liberdade foi completamente restringida. Seguiu-se então uma discriminação total. Um dia, as mulheres negras perceberam que também estávamos sendo invisibilizadas dentro de nossas próprias estruturas orgânicas. O fardo dos nossos antepassados repetiu-se em todos os círculos onde participamos. Em resposta, geramos um movimento de nossas próprias vozes, de nós mesmas, e tivemos que nos reconhecer como mulheres negras. Assim, redescobrimos nossas vozes. Eu sempre digo: “Redescubra nossos ancestrais, redefina-os, recupere-os e reaproprie-se deles”. Em 2010, começamos a conhecer mais companheiras: muito mais ativas e com uma voz muito poderosa.
JMG: Quais têm sido as demandas e reinvindicações que articulam os povos afromexicanos?
RCS: A exigência sempre foi o reconhecimento. Pedimos o reconhecimento de nossas culturas e tradições. Essa luta passa então a ser de todas as mulheres. Dizemos: “Sim, queremos ser reconhecidos; sim, queremos deixar de ser estrangeiras na nossa própria terra.” Isso acontece com todos os negros, acredito, em todo o mundo. Foram essas coisas que nos motivaram: que nos deem nomes, que não nos apaguem da história e que os meninos e as meninas do ensino primário leiam isso na escola. Que saibam que existe uma população negra, por que é chamada assim, quais são os seus costumes e quais são os seus direitos ao território e ao usufruto dos recursos naturais.
JMG: Como vivenciaram a negação do reconhecimento por parte do próprio sistema?
RCS: Como não estava na Constituição, era como se não existíssemos como pessoas. E isso é muito complexo porque o México é um país que tem uma característica que se baseia na diversidade do seu povo. Estamos falando de 68 cidades culturalmente diferenciadas. Cada um com a sua riqueza, com as suas línguas e com as suas tradições. No entanto, ninguém mencionou esse “nós”. Ninguém falava sobre negros. E os poucos que falaram foram sobre como reduzi-los ainda mais. Foi consequência de uma narrativa de desprezo. A única coisa que houve foi o silenciamento de que fomos vítimas durante séculos. Como mulher, começo a pensar no que significa para eles se apropriarem do seu corpo, das suas vontades, dos seus pensamentos, de tudo. Isso é algo muito forte. Quando penso nisso, mexe com tudo em mim. Para mim não há tesouro maior do que a vida e a liberdade.
Rosy explica que as mulheres afromexicanas lutam por reconhecimento e para deixarem de ser estrangeiras em sua própria terra. VI Encontro Nacional e Internacional de Mulheres Afromexicanas e Afrodescendentes. Foto: AMCO
Rosy explica que as mulheres afromexicanas lutam por reconhecimento e para deixarem de ser estrangeiras em sua própria terra. VI Encontro Nacional e Internacional de Mulheres Afromexicanas e Afrodescendentes. Foto: AMCO
JMG: O que os povos afromexicanos e os povos indígenas possuem em comum para convergirem em uma aliança?
RCS: Eu diria que a primeira coisa são essas interseccionalidades que existem tanto nos povos indígenas quanto nos povos negros. É claro que o povo afromexicano foi o mais espancado, o mais sacrificado por ser considerado “estrangeiro”. Dito isto, os povos indígenas também foram apagados do mapa pela teoria da miscigenação. Isto é muito interessante depois da Independência de 1821 e da Revolução de 1910, quando o liberalismo afirma que somos apenas indígenas e europeus; e, mais tarde, que somos todos mestiços (filhos de indígenas e europeus). Em ambas as narrativas, nós, afros, ficamos completamente de fora. Algo semelhante aconteceu com os indígenas porque continuaram a ser discriminados.
JMG: Como foram geradas as articulações que os uniram?
RCS: Com muito amor e carinho, sempre reconheço que algo interessante aconteceu com o movimento negro de Oaxaca e Guerrero: nossas professoras eram as irmãs indígenas porque já tinham uma luta feminista ou um feminismo comunitário. E embora muitas ainda não se definam como feministas, mas sim como ativistas e defensoras, elas foram nossas grandes professoras. A aliança surgiu porque havia a necessidade de aprendermos uns com os outros. Tanto aqueles que já estavam lá há algum tempo, quanto aquelas de nós que acabamos de ingressar. Da mesma forma, as mulheres indígenas compreenderam a situação em que estávamos nós, mulheres negras. E então nasce uma irmandade, uma união. Além disso, no litoral, em Oaxaca e Guerrero, a mistura está presente. Agora temos categorias como afromixteca ou afromestiza. As mesmas companheiras dizem: “Sou filha, meu pai é negro e minha mãe é indígena. E você também fala a língua deles e conhece essa música.” As companheiras estão exigindo que o próximo censo incorpore a categoria de afromixteca ou afromestizo. É o direito de se autorreconhecer.
JMG: Que coisas eles tiraram das mulheres indígenas?
RCS: Os povos indígenas têm muito orgulho do seu grande legado, das suas culturas, das suas tradições e das suas línguas. As mulheres indígenas nos deram lições, nós aprendemos e agora aprendemos juntas. Inclusive, no caso das mulheres, aprendemos junto com muitos companheiros; há um movimento que caminha em paralelo e, de repente, nos encontramos. Agora, em Oaxaca, temos uma iniciativa chamada Observatório das Cidadãs, a partir da qual influenciamos a sociedade civil a fazer parte da participação política.
JMG: Como foi esse processo entre as mulheres negras?
RCS: As mulheres tiveram a necessidade de recuperar os nossos contextos identitários e de se reapropriar da nossa identidade negra: a nossa identidade estava tão emasculada que ninguém queria ser negro, ninguém queria ser negro por causa de todos os estigmas que nos foram colocados e que tivemos que ressignificar. Portanto, quando me apresento, afirmo ser uma mulher negra. Adotamos o termo mulher negra. Somos orgulhosamente negras como um ato de fé pessoal, de rebelião, mas também de reivindicação. Para aqueles que estão tão incomodados com o fato de eu ser negra, bem, eu reivindico isso.
Sobre a luta feminista, Rosy destaca que suas professoras foram as irmãs indígenas. Foto: AMCO
Sobre a luta feminista, Rosy destaca que suas professoras foram as irmãs indígenas. Foto: AMCO
JMG: Você participou do Fórum Permanente dos Povos Afrodescendentes das Nações Unidas e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Qual a importância destes mecanismos internacionais para os povos afromexicanos?
RCS: Esses mecanismos são fundamentais e temos visto resultados muito rápidos. Estar nesses espaços implica pensar em como utilizamos esses mecanismos de controle de convencionalidade porque, se eles existem, é por isso que os utilizamos. Antes não usávamos porque não sabíamos, não tínhamos conhecimento. Felizmente encontramos quem nos ajude, quem nos guie e é assim que trilhamos o nosso caminho. Os instrumentos internacionais procuram tentar garantir os direitos das pessoas e de diversos grupos, como os afrodescendentes. Então, o fato de existir um Fórum Permanente de Afrodescendentes é um grande avanço.
JMG: Para quais casos serve?
RCS: Recentemente, gêmeos afromexicanos morreram no hospital por negligência: o ventilador não funcionava. Como os pais e os filhos eram negros, as autoridades afirmaram: “Não sabemos se é realmente necessário levá-los para um hospital privado da Capital”. E as crianças morreram. Documentamos este caso e o apresentamos aos mecanismos que garantem os direitos das pessoas. Também conseguimos influenciar para que no censo de 2020 nos ouvissem na questão da autoatribuição, já que as autoridades se recusaram a usar o termo afromexicano.
JMG: Que desafios parecem ser os mais importantes para continuar fortalecendo os direitos dos povos afromexicanos?
RCS: Um primeiro desafio é cumprir o artigo 2, seção 9, da Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos: os Estados da República têm a obrigação de emitir suas leis secundárias para que haja harmonia com o que diz a Carta Magna. Eles não nos ouvem, os governadores. Até agora, existem cinco estados que reconheceram os direitos dos povos afromexicanos na sua Constituição local. Esse é um dos grandes desafios: que esse reconhecimento realmente se concretize. De uma forma mais holística, gostaria de ouvir o meu presidente reconhecer o crime contra a humanidade que foi cometido em território mexicano durante a era colonial. Assim como a Igreja fez. Essa exigência faria parte de uma justiça reparadora que deveria incluir também o nosso desenvolvimento económico, a melhoria das condições sociais dos negros e o acesso à educação, que está agora ausente para uma grande maioria.
JMG: E no caso das mulheres?
RCS: Devemos passar do reconhecimento à participação efetiva. Por esta razão, trabalhamos a partir da Associação de Mulheres da Costa de Oaxaca. Queremos que o exercício dos nossos direitos políticos eleitorais seja uma realidade e que essas ações afirmativas sejam realmente para os negros (e não para outras pessoas usarem apenas como trampolim). Este trabalho busca deixar claro que ainda existem obstáculos à participação e o quanto é importante estarmos nos espaços de decisão. Temos como objetivo que as nossas agendas, políticas sociais, culturais e econômicas, sejam ouvidas nos espaços onde são geradas as políticas públicas.