Após oito anos na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Esmeralda Arosemena de Troitiño se aposenta em 31 de dezembro de 2023. A advogada panamenha especializada em direitos humanos foi eleita em 2016, ocupou a presidência em 2019 e a vice-presidência entre 2022 e 2023. Ademais, é Relatora para Povos Indígenas, crianças e adolescentes, assim como Relatora para México, Guatemala, Nicarágua e Venezuela.
Debates Indígenas: Qual é sua avaliação sobre a situação dos direitos humanos nos continente?
Esmeralda Arosemena de Troitiño: Eu gostaria de começar destacando os avanços conquistados em oitos anos de trabalho. Creio que conseguimos posicionar na Comissão temas prioritários relacionados com a situação de setores mais vulneráveis da sociedade. A partir do trabalho da CIDH, a jurisprudência estabelecida pela Corte Interamericana e, o desenvolvimento da Convenção Americana de Direitos Humanos juntos a seus padrões, considero que fortalecemos o Sistema Interamericano. É crucial utilizar as ferramentas disponíveis para assegurar que os Estados cumpram com seus compromissos internacionais.
DI: E no âmbito dos povos indígenas?
EAT: Apesar das limitações, considero que avançamos em uma clara identificação do direito à propriedade de seus territórios desde sua própria cosmovisão. Embora siga sendo um tema complexo, conseguimos por em debate esta obrigação entre os Estados. A Declaração Americana, junto com outros instrumentos internacionais, nos proporciona uma plataforma sólida para a proteção, garantia e promoção do respeito aos povos indígenas. No entanto, sempre existe o risco do retrocesso nos avanços conquistados e é necessário estar alerta.
DI: Apesar do quadro normativo favorável para os direitos indígenas, você considera que houve uma regressão destes direitos?
EAT: Eu diria que sim. Dentro do mandato da CIDH, a Relatoria enfrenta o grande desafio de conseguir o reconhecimento e o respeito das decisões autônomas dos povos indígenas. Embora este reconhecimento nos discursos políticos, inclusive nas normativas internas, a transformação destes reconhecimentos é uma clara negação aos direitos dos povos indígenas. Ao buscar realizar seus direitos, os povos indígenas enfrentam uma situação de negação, onde prevalecem outros interesses. Atualmente, presenciamos uma luta frontal entre os povos indígenas e os Estados, com casos de criminalização, perseguição e mortes de lideranças indígenas. Para a Comissão é um grande desafio impulsionar o diálogo e realizar um monitoramento junto aos Estados para o cumprimento das normas dos instrumentos jurídicos, dos que são responsáveis de suas efetiva vigência e cumprimento.
DI: Qual é o estado do cumprimento da consulta prévia livre e informada?
EAT: A consulta e o consentimento prévio, livre e informado é fundamental, e vários Estados têm concepções totalmente diferentes sobre o significado e conteúdo deste direito. Como consequência, a conexão dos povos indígenas com seus territórios se vê limitada diante aos interesses de grupos de poder e de exploração de recursos.
DI: Como é o vínculo entre os Estados e os povos indígenas?
EAT: Não apenas ignoram os direitos indígenas, mas os Estados optam por não respeitá-los. Por isso a CIDH impulsiona diálogos abertos, sinceros e respeitosos entre os Estados e os povos indígenas. Um problema comum é que, dentro de alguns Estados, existem setores que fazem declarações falsas, como o suposto desejo de independência dos indígenas que afetaria a soberania estatal. Isto é absurdo e requer um diálogo aberto e respeitoso. É fundamental que os Estados cumpram seus compromissos e, a Comissão conta com ferramentas como as medidas cautelares, as petições e os casos para apoia-los. A identificação de prioridades e o desenvolvimento de critérios de priorização são a chave neste sentido. Em resumo, a Comissão busca levar adiante uma agenda positiva com os Estados, identificando com firmeza as respostas que devem se dar em cumprimento de suas próprias normas e obrigações internacionais. Os governos devem se apoiar em seus pontos fortes de seus grupos humanos.
DI: E a respeito dos grupos de poder que estão por fora do Estado?
EAT: A influência de grupos de poder, como a macrocriminalidade, que por vezes supera o poder dos mesmo Estados, apenas complica a situação. A militarização dos territórios indígenas, a falta de respostas da justiça antes atos de violência contra lideranças indígenas e a necessidade de fortalecimento das instituições democráticas da sociedade civil são desafios importantes.
DI: A poucas semanas de concluir seu mandato, como você enxerga o futuro da Comissão?
EAT: É importante que a Comissão mantenha o sentido da coesão institucional e respeito à institucionalidade da CIDH. Os membros formam parte de um coletivo com padrões adotados em uma missão clara estabelecida pela Carta da Organização de Estados Americanos (OEA). A observância, defesa, impulso e promoção de direitos humanos devem ser o sentido fundamental para a Comissão e seus integrantes. O desenvolvimento de informes temáticos é uma linha que deve ser fortalecida, já que estes documentos são valiosos para que os Estados compreendam as linhas para desenvolver direitos específicos. Os informes, como o de Direito a livre Determinação e o recente sobre Direitos Econômicos Sociais, Culturais e Ambientais dos Povos Indígenas e Afrodescendentes, devem ser utilizados nos diálogos com os Estados para maximizar seu impacto.
DI: Que desafios enfrentará a Relatoria?
EAT: Estes oito anos enriqueceram minha vida em termos do conceito de humanidade, a defesa e promoção dos direitos humanos. O desafio é que os povos indígenas sejam considerados com absoluta dignidade e integridade de seus direitos, com um enfoque particular na não discriminação por nenhuma causa. O foco deve estar nos setores mais vulneráveis, assegurando o respeito e sua dignidade e evitando a exclusão, para que se preserve o sentido pleno da humanidade.